Há histórias que não dão o mínimo
jeito de contar. Há histórias cujo fundamento, cujas sensações são impossíveis
de descrever, só mesmo vivendo. Há coisas que não podem ser passadas a
histórias, há coisas que não sabem igual se forem contadas, só mesmo vivendo-as.
Há daquelas coisas que me dão um
apertozinho no peito só por saber que não me saberão mais igual, porque mesmo
recordando-as, não as estarei vivendo como da primeira vez. Há daquelas coisas
que me trazem aquela lágrima ao canto do olho, mas eu disfarço e sem que
ninguém se aperceba, limpo-a. E até a lágrima fica na memória porque sei que de
cada vez que recordar certas coisas a saudade só vai aumentar, só vai aumentar
aquela vontade de chorar e de querer que tudo volte atrás, que tudo volte a ser
como dantes.
E ficam as histórias, as memórias
de cada coisa que fui vivendo. E há daquelas coisas que quando vivemos não
damos a mínima importância, a não ser no dia em que paramos para pensar e
chegamos à conclusão de que acabou, não as viveremos mais.
Tenho uma saudade imensa de
certas coisas que se passaram na minha infância… ai que ninguém imagina. Das
pequeninas coisas que, sem querer, eram tão simples e foram marcando a minha
vivência. Como o não ter dinheiro para roupas de marca, mas isso não era
importante, porque éramos capazes de conhecer outras crianças e gostar de
brincar com elas, independentemente das posses económicas dos pais. É verdade,
a idade em que eu nem fazia ideia do que era ter roupas de marca ou não, foi a
idade mais feliz e nada mais importava.
Não me importava ter nascido e
ter sido criada no lugar onde fui. Porque ninguém fora estúpido ao ponto de
mostrar algum preconceito por eu ser do campo. Mas eu era do campo e acho que
quem nasce no campo leva isso a sua vida toda, até à morte. Não importa, porque
mesmo assim eu conseguia ser feliz. Eu SOU do campo e fui criada com o espírito
livre. Não aprendi a brincar com jogos de computador. Aprendi a brincar à solta
fora de casa e ninguém se importava, porque por ser do campo, havia segurança e
as mães sabiam que os filhos não iam ser raptados nem nada que se pareça. E
andar com os cotovelos e os joelhos raspados era ser fixe. Eram marcas de
guerra e nós sobrevivêramos. Éramos fortes o suficiente para aguentar a mãe a
limpar a ferida com a água oxigenada e a fazer o curativo.
Ai e há cheiros que ficam na
memória. Esta semana cheguei a casa depois de mais um dia e um aroma lembrou-me
tanto da minha avó paterna. A minha avozinha que acabei perdendo há poucos
meses. As tardes na cozinha dela cheiravam a chá. Eu nunca gostei muito de chá
mas sempre gostei do aroma. E deu-me uma saudade daquela pobreza tão acolhedora
na qual ela vivia. Da simplicidade, da vida do campo, das histórias que ela
sempre tinha para me contar e cujo analfabetismo nunca a impediu de ser uma
ótima contadora de historias. Tenho saudades! E sinto tanta pena de não ter
registado todas aquelas histórias. Definitivamente se há daquelas coisas que
sempre preencheram a infância foi o facto de ouvir sempre muitas histórias da parte
da minha avó. E para o caso de estarem a pensar que eram histórias de encantar,
desenganem-se! Eram apenas histórias. Histórias das vivências dela, histórias
das gentes de antigamente, histórias que me passavam, muitas vezes, ao lado,
porque na minha condição de criança não as sabia ouvir atentamente e guardá-las
na memória para um dia vir a registá-las.
Agora o que fica são só as
memórias. Não há mais aquele sabor da infância. Saborear memórias não é igual a
saborear o momento. E há medida que amadureço, só sei o sabor da saudade. A
infância foi simples e ao mesmo tempo preenchida, porque o nada que eu tinha
era o tudo que eu precisava para ser feliz. Eu não precisava de coisas
materiais para ser feliz, precisava, sim, de pessoas na minha vida e tive-as
aqui tão perto. Mas hoje já nada sabe igual porque as pessoas que me ajudaram a
preencher a infância já não estão todas entre nós. E sei que a vida tem que
andar para a frente porque ainda me faltam muitos bons momentos para viver, mas
tenho pena e saudade, em simultâneo, porque sei que serei feliz, mas a
felicidade não será partilhada com todos os que eu queria, pelo menos aqui, no
plano térreo.
Tenho saudades!
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