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Carta Para a Menina Que Eu Fui

Anda. Senta-te aqui do meu lado e vamos conversar. Se quiseres posso dar-te a mão, assim não te sentirás tão só. Eu estou aqui, contigo, somos uma só, mas no fundo somos duas pessoas bem diferentes.

Não tenhas medo do futuro e não dês ouvidos ao que sai da boca daquela que te deu vida. Muitas vezes vais ouvir coisas amargas, mas não podes carregar esse fardo contigo a vida toda. Um dia estarás com esta idade que tenho hoje, tentando te libertar da depressão e ansiedade que toda essa carga que carregas trouxe ao de cima.

Sabes, tu não és detestável, tu não és um estorvo. Tu tens muito de especial, só que ainda não sabes. O facto de saberes que vieste para este mundo sem ninguém querer, sempre te fez sentir mal. Sempre te fez não sentir integrada na tua família. Sempre fez com que essa cabeça tão fértil se refugiasse em ilusões de como tinhas sido trocada por acaso à nascença mas que um dia a tua família de verdade te encontraria e te amaria de verdade.

Minha pequena não mergulhes nessas ilusões, porque quando vieres à superfície, vai doer mais. Acredita mais em ti. 

Todas as coisas que foste ouvindo da parte daquela que seria a tua principal figura de vinculação, foram as que ficaram gravadas. Mesmo quando fazias de conta que não as ouvias, o eco ficava lá dentro da tua pequena cabeça, que lutava para se desenvolver de forma normal. E nunca ninguém se apercebeu de nada.

Sei que é fácil cair no buraco quando à nossa volta todos nos empurram nessa direção, mas não lhes faças a vontade. Bate o pé. Ignora mais! Tu eras uma criança tão feliz, sem vergonha de ninguém, nem medo de fazer novas amizades. Não devias ter deixado que dessem cabo da tua essência dessa maneira. Mas as coisas que foste gravando na cabeça foram te enfraquecendo.

Hoje em dia duvidas de tudo. Duvidas do que o teu espelho mostra, duvidas dos elogios das irmãs, que esses serão sempre os mais sinceros, duvidas dos elogios que alguém alheio te faz. Tudo porque as críticas sempre vieram primeiro. Mas faz-te falta acreditar. Tu sonhavas tanto e hoje eu sonho tão pouco. 

Hoje eu vivo em sofrimento por nem ter conseguido ultrapassar as relações falhadas. Porque sempre tive dificuldade em acreditar e quando acreditei de corpo e alma, era mentira. E ainda hoje dói. Só queria que desse tamanho eu pudesse ser educada para ser mais forte. Não para esconder os sentimentos, mas para não me ir abaixo tão facilmente. Tenho sofrido por amor, por não me integrar nesta família, por não conseguir alcançar os objetivos... Tenho sofrido e eu não era assim. Quando eu era tu, era tudo tão diferente e fácil. Não havia mágoas das coisas que fui gravando na memória.

Cresce devagar minha menina interior. Cresce com cuidado, mas tentando ser feliz. Ignora as vozes que te rodeiam e fortalece a tua auto-estima. Não deixes que façam de ti menos do que aquilo que és capaz de ser. Não esperes a aprovação alheia para NADA. Porque no final das contas, é contigo que deves contar em primeiro lugar, é de ti que deves gostar em primeiro lugar, é em ti que tens que acreditar em primeiro lugar.

Os outros são apenas os outros e nós as duas ainda temos tanto que descobrir. Nunca imaginei que a minha meninice me marcasse tanto quando me tornei mulher. Mas marcou e agora tento nadar neste mar revolto que é a minha existência. Eu queria voltar a ser tu e reviver tudo para chegar ao dia de hoje mais forte. 

Só queria ser uma adulta feliz como as crianças na sua pura inocência.

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